cronicas

Leiam como se fosse um livro. São materias selecionadas publicadas ao longo da minha vida em alguns jornais e revistas. A minha unica intenção é, além de proporcionar diversão e entretenimento fazer com que voces conheçam um pouco mais do que penso a respeito de quase tudo o que nos cerca, e pra que depois ninguém ouse dizer que eu não tenha feito a minha parte. Sejam bem vindos!!!

6 de mai. de 2008

O capitão alado



em homenagem à Festa das Orquideas e em memória do amigo Mauro Borges (saudades cara!) que ainda muito jovem se lançou rumo ao infinito, montado nas asas de um T-6 e nunca mais voltou...



Não posso, no entanto, precisar quando! A memória já não responde como antes aos meus apelos. Mas a vez primeira que fiz contato com o "ronco" ensurdecedor dos aviões T-6, da Esquadrilha da Fumaça, foi como quem perde a virgindade... Um misto de temor e ansiedade antes e alegria e êxtase depois... E como tal, a gente apanha gosto pela coisa e nunca mais esquece, ou acha que não. Mas fica dentro de nós as emoções do fato, e embora sem imagens nítidas definidas, sabe-se que o sentimento é indescritível e inigualável. Como se o espírito liberto da carne, ainda assim se mantivesse físico e presente... Pode ser que eu tenha corrido feito doido e me escondido debaixo da cama... Mesmo por que a minha mãe ainda se apavorava toda, por conta de velhos temores existentes no telhado da nossa casa velha, claudicante, com suas tremuras incertas...Ou por conta do histerismo inerente nas mulheres mães: ainda muito jovens e inexperientes, a descarga de adrenalina e seus efeitos nelas era coisa da medicina do futuro e muito menos se pensava nisso, elas sempre pecavam pelo excesso de zelo e mimo para com os filhos, causando até muitas vezes algum tipo de trauma psicológico, quando não muito por toda a vida afora. Mas não foi esse o meu caso, graças à divina providência. Com tal destreza e rapidez dobrada à rua retornei tão logo recuperava o folêgo e decantava o "assusto". E intimamente sempre me vangloriei desse meu arroubo de coragem repentino. Talvez fosse movido pela curiosidade apenas, mas acabei enfrentando o inusitado como manda o figurino: cabelo e peito ao vento, todo imponente, feito Julius, o César, contemplando o inimigo derrotado. Naquele tempo o sol não queimava como agora. Eram tardes muito claras e ensolaradas. Eram tardes frias de inverno. Eram tardes da infância...E ao passar dos anos se passaram muitos sonhos e manobras inacreditáveis, ainda hoje contadas ao pé de fogueiras e aumentadas, por que não, só um pouquito, como manda o figurino, daqueles pilotos verdadeiros heróis da molecada. Mãehee, quando crescer quero ser piloto como aqueles!!! Era a morte para ela! E nem me dei conta quando acabei ficando extremamente íntimo daqueles aviões, sabia ou achava que sabia tudo sobre eles. Então eu poderia sentir no ar quando chegariam... Percebi, por exemplo, que por alguns segundos, numa reverência de respeito natural, tudo se silenciava. Como quando onça passeia ou caça pela mata e nem grilo canta. Somente um certo prenuncio se avizinhava no horizonte...Eram manhãs claras como a tarde. E logo logo alguem de vista boa apontava os pequeninos pontos negros lá atrás da montanha chegando feito pequenas hordas de pássaros estridentes... E era sempre apoteótico o acontecimento. Eles chegavam soberanos, trovejantes, e tomavam a cidade de assalto. E nós mesmo sabendo que viriam como um bando de bárbaros, não oferecíamos nenhuma resistência... E muitos mais sonhos se passaram e muitos mais ficaram como tal, apenas sonhos. Tá bom mãe, já desisti de ser piloto! Não me daria bem mesmo num regime militar severo com todas aquelas coisas de rigidez... Nada de levantar vôo então. Eu já havia descoberto o saboroso aroma das meninas e pretendia devorá-las todas, como se isso fosse mesmo possível... Cá na terra é muito melhor!!! E eram tempos de férias, de madrugadas geladas e de serenatas encharcadas de muito vinho... Eram tempos certos de novos encontros e de rever velhos amigos, sempre distantes por conta dos estudos universitário. E de novas namoradas!!! Elas chegavam às pencas, sabe-se lá Deus de onde... Por isso mesmo um excitamento frenético envolvia toda a cidade. Juntamente com a intrigante mistura dos perfumes das flores multicoloridas. No céu até a fumaça era orquidea... E quando o capitão alado pisava à terra prometida, vestido, com a gala que a ocasião exigia e de um azul quase negro, contrastando com o claro da cor do céu, e naquele tempo o céu do inverno era muito azul, de parecer que a gente poderia tocá-lo com as mãos e até bebê-lo, sim hoje eu sei, era como se venerássemos um deus Inca em toda a sua magnitude. No apreciado grande baile ele não parava um minuto. Vez por outra o surpreendi pensativo e distante. Alheio a tudo e a todos. Como se hipnotizado a contemplar uma flor de rara beleza, ou talvez já se preparando para levantar seu vôo habitual novamente... Mas teve dia em que eles chegaram sem avisar, assim de repente e suas cores já eram outras. Mesmo o ronco acabou virando barulho... Nem ao menos juntos vieram...E não mais os vimos de tão de perto... Apareceram do nada e de todas as direções... Percebí que algo se perdera no passado. Alguma coisa ficou sem a devida explicação. E o encantamento todo se esvaiu juntamente com a fumaça num céu tenebroso ventoso e nem tão frio... E há quem jure que por isso mesmo a festa perdeu toda a sua graça quando acabou o glamour de seus bailes e da sentida ausência dos T-6 da esquadrilha da fumaça...E agora é somente a Festa das Orquideas... Não concordo, e mesmo por que nada disso descrito acima teria acontecido não fosse por elas.. Não há que se cometer essa injustiça! Hoje são novos os tempos. Nem há mais orquidea rara, a ciência desmistifica esse tabú. E é preciso que prestemos mais atençao ainda a essas flores. Por que além , eu tremo só de pensar, existe um risco muito grande de se chegar um tempo em que nem mesmo elas mais virão.

publicada em julho de 2001

Um comentário:

Caetano Cury disse...

Olá Marcos!

Pus um link pro seu blog no http://chargesguaxupe.blogspot.com/!

Ótimos estes textos!

Abraço!