cronicas

Leiam como se fosse um livro. São materias selecionadas publicadas ao longo da minha vida em alguns jornais e revistas. A minha unica intenção é, além de proporcionar diversão e entretenimento fazer com que voces conheçam um pouco mais do que penso a respeito de quase tudo o que nos cerca, e pra que depois ninguém ouse dizer que eu não tenha feito a minha parte. Sejam bem vindos!!!

6 de out. de 2008

O poder da última bala

As balas não falam (sic), e a última então... Continua subindo subindo... E que ela caia na minha cabeça se eu estiver mentindo! Foi numa tarde ensolarada, dessas que deixava sempre os mineiros da capital pê da vida por não terem praia e mar como os do Rio de Janeiro, mas que ninguém ousava admitir devido a um bairrismo exacerbado e até folclorico, muito peculiar, inerente dos habitantes das alterosas. Assim vagabundeávamos pela Praça Sete, eu e mais o Mário Lucio Zavaglli, de olho nas meninas semi despidas, como se passeassem em Ipanema... Quando, por força do hábito, nos deparamos frente ao luminoso do Cine Brasil ( nosso refugio secreto para escondermos das malditas apostilas) e estava lá devidamente anunciado em letras garrafais A ÚLTIMA BALA, com Francisco de Franco e Pepita Rodrigues. Hei, esse filme é o que foi rodado em Guaxupé!!! Vamo vê?!? E por que não... Dia inesquecível!!! A memória hoje, as vezes me trai, mas lembro me muito bem de nunca ter me divertido tanto na vida quanto por conta dessa inesperada aventura. O cinema tava meia boca... Mas considerando se o dia da semana e a hora, tava bom demais até. Passadas as preliminares de plaxe, tipo gols da semana, etc etc, e roda a película e o inusitado acontece. Cada conhecido nosso aparecendo na tela provocava em nós uma verdadeira explosão de delírio , como se estivessemos dentro do Mineirão comemorando um gol, eu do Ameriquinha, e o Mário do Cruzeiro... Di Franco, Pepita e até a tal de miss (uma delicia! ) se mostraram completamente absoletos e secundários diante da magnitude dos nossos amados conterrâneos... Talvez Freud explique, sei lá... Mas o que dizer à platéia atenta ao desenrolar dramático daqueles fatos à nossa frente? Briga de peixe grande, coisas de "coronér" e bala pra tudo quanto é lado... Bum ba bang tzimmmmthuinm... E prá ser sincero, pouco me lembro do enredo do filme, vou ter de assistir novamente... Mas voltando à vaca fria, e diante do tremendo alarido que faziamos, não demora muito e o Sussu deles (não havia como escapar) logo ilumina nossos rostos. Fomos descobertos! Ah, e prá quem ainda nunca ouviu falar, Sussu era o famoso "lanterninha" do Cine São Carlos lá da nossa cidade, apelido que ele detestava e nós adoravamos, por motivos óbvios... O nosso querido Antonio Greco, que agora finalmente descansa em paz no além, aliás, merecidamente diga-se de passagem. E nem tão Sussu assim, fomos educadamente advertidos e caso não mudassemos o nosso comportamento, não restaria a ele outra alternativa que a de nos retirar do recinto. Regras de boa conduta, normas da casa e por aí vai... Prometemos colaborar, como se isso fosse possível. Gente, e como é fantástico e incrível o poder mágico e transformatório do olho de uma câmera... Lugares comuns e tão bem gravados na nossa memória, tão intimamente conhecidos e de repente não se pareciam em quase nada com o que eram realmente. A praça da minha infancia, a da igreja do Rosário, caramba!, custei a reconhecê-la... Após essa pequena divagação, não demora muito e tudo volta ao normal, quer dizer, com relação à zorra que fazíamos dentro do cinema. Bastou começar a desfilar o galã Augusto Tavares (grande promessa!), o amigo Zezé Ácula, dono e protagonista de grandes noitadas na Churrascaria Bambú, o Garrincha, seu Zé Pata (figurassa!) e o mestre Jorge Farah, que sempre pegava muito no pé dos seus alunos, e principalmente do meu e os figurantes, pra nós não menos importantes como o Beringela, o Quim alfaiate e o Pancadão, que já fora meu anjo guarda costas no meu tempo de zona boêmia de meretrício, para que o caldo entornasse de vez. Nós não mais gritávamos, urrávamos!!! Aí a coisa ficou preta e acenderam as luzes! Alguém lá na nossa Republica ouviu alguém dizer que o tal de Claudio Lôco teria metido a cabeça num cupinzeiro imenso, traiçoeiramente escondido dentro de uma bela touceira de capim gordura, por ocasião da gravação de uma das cenas de tiroteio, lá no Japi, num mergulho de dar inveja a qualquer um e acreditem se quiserem, esse foi o argumento usado por mim, e pasmem, aceito pelo gerente do cinema em questão, que a essa altura do campeonato já havia interrompido a sessão, para que assim pudessemos continuar assistindo ao filme. Mãos lavadas, ele não se responsabilizava por nada o que acontecesse conosco, caso fossemos linchados pelos outros espectadores... "esse filme foi feito em Guaxupé, nossa terra natal, gente! não se espantem, não somos loucos, nem bêbados tampouco, talvez só um pouco" e tudo se acalmou felismente... As luzes se apagam! Muito tempo depois fiquei sabendo de outras estórias engraçadas ocorridas por ocasião das filmagens e do furor causado na cidade interiorana pela presença dos artistas e muita fofoca rolando e tudo que tinham direito com relação ao memorável evento inédito. E todos querem acrescentar alguma coisita mais e a coisa toda acaba virando folclóre... Naquela tarde, lá em Belô, meu querido titio Dodô, o Salvador Ricciardi, com sua surpreendente aparição diante de mim numa tela de cinema, jamais sonharia tamanha audácia, por alguns segundos, me fez correr, criança feliz, pelos caminhos do bairro Bebedouro, caçando canários da terra embaixo de uma paineira que hoje já não existe mais.


publicada em dezembro de 2000

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