Muito pouca gente sabe disso, mas posso afirmar com toda certeza, o Doutor Tancredo Neves se inspirava e se abria mais quando estava na minha presença. Foi assim, algumas vezes, quando nos encontrávamos em Belo Horizonte onde eu morava e trabalhava na assessoria de imprensa do então governador Francelino Pereira e chegávamos a tomar umas biritas juntos. Engraçado, parece que foi ontem... E ele deitava falação: "isto é confidencial hein menino, nem tá mais aqui quem falou..., mas o general Fulano de Tal, tem milhões de dólares numa conta secreta lá na Suiça...". Embora sempre muito precavido devido às circunstancias ditatoriais e nunca me deixasse levar pelo entusiasmo, era extremamente prazeroso o bate papo com o doutor raposa véia da politica nacional. Mesmo por que ele era mesmo um patrimôneo público brasileiro. E por isso considero ter tido muita sorte, e tenho até uma ponta de orgulho, de tê-lo conhecido pessoalmente. E ainda hoje me intriga o fato dele ter passado ileso, sem quase nenhum arranhão, por tantos e divergentes governos, às vezes completamente antagônicos, como por exemplo a esquerda socialista nacionalista do presidente Jango e a ferrenha ditadura de extrema direita dos militares. O Doutor Tancredo passeava com a mesma desenvoltura em qualquer praça que fosse! Era mesmo um politico profissional e muito bom, não há como negar. Assim como tambem, ele sempre se apresentava como uma nova esperança e uma saída alternativa para quase tudo: quando se candidatou a presidente em uma eleição que todo mundo sabia que não ia acontecer. Ou foi prá governador? Sei lá, me foge a memória, mas não importa. O fato mesmo, de fato importante, é que numa dessas campanhas, oficiais ou não, ele veio a se encontrar comigo em Guaxupé. O povão meio que com a pulga atrás da orelha, com receios óbvios, assistiu a distancia o seu comício. Como sempre inflamado, o douto sabia insuflar as massas... Então corri à minha casa e consegui retornar com o gravador em punho mal ele terminava seu discurso e já se preparava para partir, quando parece ter me reconhecido, ou foi pura coincidência. Mas veio em minha direção, e eu já ligando o gravador... "doutor tenho aqui um jornal, O Coreto, e gostaria muito de entrevistá-lo". E sem antes mesmo de qualquer cumprimento " claro menino o que quer saber? será um prazer..." E nos sentamos em um banco, em frente a uma antes famosa sorveteria e com todo mundo a nossa volta, só prá variar rasgou o verbo aos milhares e sem papas na língua... " o general Geisel é o verdadeiro dono da Petrobras, manda e desmanda e recebe uma fortuna da Shell, por debaixo do pano é claro para manter as coisas nos conformes deles e garantirem o monopólio do petróleo... o presidente Castelo Branco foi morto pela CIA... onde já se viu? avião de chefe de estado não vai caindo assim não..." O povo delirava!!! Uhah...
Alguns mais corajosos participavam arriscando uma pergunta ou dúvida... e foi uma glória inusitada para todos nós. Falou muito mais do que deveria, até que alguém lembrou alguma coisa sobre "rango"... E nem nos despedimos!!! Por decerto queria o destino que nos encontrássemos novamente. Em minha casa, e enquanto tomava banho repassava a entrevista, no afã de recuperar o tempo, pois a boemia me chamava a muito e me fazer acreditar realmente no que meus ouvidos me diziam, jamais poderia imaginar o desfecho que se suscederia. Como sempre fazia e de rotina saí pros braços da noite e naquela mesma noite, assim que adentrei o Bar Zoião ( famoso reduto boemio-politico-filosofico dos anos setenta) nem tempo deu de bater o ponto, como diziamos do primeiro trago, e lá estava sentado comendo quibe assado, adivinhem quem ? quem?? quem??? Parecia a minha espera... "venha, sente-se e tome uma gelada comigo..." acenando alegre. E foi logo arrematando " a CIA sabe o que se passa nesse país muito antes e mais depressa que o SNI... o que convém a eles, contam aos milicos..." Algum tempo depois pareceu sair do ar... Deu de querer cochilar... Alguém lembrou de que ele havia exagerado um pouco na comida e na bebida e que necessitava descansar. Levantou-se... E não se despediu... Então interferi : com todo respeito só mais um minuto. Doutor o meu jornal é sério, toda cidade o lê, temos prestigio até fora daqui e eu vou publicar a entrevista!!!! " tudo bem menino, mas lembre-se, amanhã posso desmentir tudo e dizer que foi armação e será sempre a sua palavra contra a minha..." E com um sonoro boa noite, finalmente se despediu!
publicada em novembro de 1998.
cronicas
Leiam como se fosse um livro. São materias selecionadas publicadas ao longo da minha vida em alguns jornais e revistas. A minha unica intenção é, além de proporcionar diversão e entretenimento fazer com que voces conheçam um pouco mais do que penso a respeito de quase tudo o que nos cerca, e pra que depois ninguém ouse dizer que eu não tenha feito a minha parte. Sejam bem vindos!!!
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